Coveiro Bépi Érico

O COVEIRO BÉPI ÉRICO

"Segunda metade da década de trinta. Prenúncios da Segunda Grande Guerra no ar.

Tardinha. Lá no alto, ladeando a igrejinha da Água Verde, com sua torre separada e a escolinha do outro lado da rua, apontava em direção à Bento Viana o "carro de defunto" que levara o último "caixão" do dia para o cemitério da Água Verde.

Os dois cavalos, de cabeça baixa, ajaezados de preto e dourado, formavam um trio com o cocheiro, de cartola e casaca preta, surradas, puídas.
Atrás, coberto pelo baldaquino também em preto e com frisos dourados, entre restos de flores das coroas do defunto, vinha o coveiro mais conhecido daquelas paragens: Bépi Érico.

Sentado, às vezes deitado, com as pernas balançando aos solavancos dos torrões e dos buracos da rua de barro, contarolava velhas canções italianas, enquanto por ele passavam os meninos e as mulheres com enormes fardos de cavacos de madeira, comprados nas barricadas das redondezas.

Solavanco de cá, solavanco de lá, Bépi acenava para o Galo (Galileu Toniolo) ao passar peta alfaiataria, e, pouco mais adiante, surpreendia o "seu" Jacinto (Jacinto Antunes da Silva, hoje nome de rua), contando ao seu amigo Prof° Milton Carneiro (da então Faculdade de Medicina) as últimas da política que ouvira no Palácio do Governo do Interventor Manéco Facão. E, brincando de búrico ou de tic, à sua volta, o menino que seria o conhecidíssimo Tatu, Presidente do Operário.

O "carro do defunto" chegava então na parte de maior declive da rua Bento Viana, na esquina com a Ivaí (hoje Getúlio Vargas), atravessada uns poucos metros adiante pelo rio Água Verde.

Em dias de chuva torrencial a parada do carro, aí, era obrigatória , pois o rio transbordava por cima do pontilhão, alagando todos os terrenos à sua margem.
Á direita, o cocheiro se deparava com a "meia-água" da Dona Itália Casagrande como uma palafita, no meio da água, e pouco mais adiante as 3 ou 4 casas de madeira construídas pelo "seo" Eduardo Thá, quiça o embrião da firma construtora.

Atrás delas, o último resquício do que fora a chácara Dantas (loteamento para os imigrantes italianos), a chácara dos Guzi, com seu enorme parreiral e dezenas de pereiras, que a gurizada invadia nos dias de chuva para roubar, livres, presumia-se, dos temidos "tiros de sal".

Ali, no encontro da Bento Viana com Getúlio Vargas e o rio Água verde, o Bépi no seu vai-e-vem cotidiano, em dias de sol ardente, ou atolado no lamaçal, ou ainda pisando na "geada negra" da manhã seguinte ao temporal de inverno, viu brincar na sua infância e crescer numa alegre despreocupação, filhos de gente simples como ele, que hoje são nomes de destaque na comunidade curitibana ( Thá, Marchioro, Lorusso, Pinton, Perini, Carneiro, Preuss, Scaramuzza...).

Passada a enxurrada, o "carro de defunto" seguia exaurindo os cavalos no atoleiro de lama. Antes de virar a Iguaçu, Bépi ainda soltava o seu costumeiro brado de "Viva o Savoya", saudando o casarão-sede do Clube que reunia a italianada da Água Verde nos fins de tarde de domingo, para festejar as vitórias do timão que sessenta anos mais tarde seria o Paraná Clube.

Bépi Érico morreu em abril de 1960. Era marido de Dona Maria Polenta."

(Texto de: A. Osny Preuss [médico e professor universitário], publicado em Historias Curitibanas)

Foto ilustrativa - Preparação do cortejo fúnebre de Estanislau Piascik, em 04//11/1939. (Fonte: Arquivo Gazeta do Povo)

Paulo Grani

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